quarta-feira, 28 de abril de 2010

BAPTISMO E SALVAÇÃO EM CRISTO

I-A DINÂMICA SACRAMENTAL DO BAPTISMO

O baptismo é um sacramento, isto é, uma celebração comunitária da fé que explicita o plano salvador a acontecer na história.

Isto quer dizer que o baptismo não é um modo mágico de salvar as pessoas. As celebrações sacramentais são espaços privilegiados para o Espírito Santo actuar no coração dos crentes, fazendo-os compreender o plano salvador de Deus a actuar na História.

O Baptismo insere os crentes na Igreja, essa parcela de Humanidade chamada a ser um sinal da fraternidade universal na qual já não há mais diferenças de raça, de língua, de classe ou de condição sexual. Eis as palavras da Carta aos Gálatas:

“Todos os que fostes baptizados em Cristo ficastes revestidos de Cristo mediante a Fé. Por isso já não há judeu nem grego, escravo ou cidadão livre. Já não há varão ou mulher, pois todos sois um só em Cristo” (Gal 3, 27-28).

Na Carta aos Colossenses, São Paulo compara o baptismo a uma nova circuncisão (Col 2, 12-15).

Mediante o rito da circuncisão os meninos judeus eram incorporados no povo de Deus e, portanto, participantes das bênçãos prometidas a Abraão.

Pelo baptismo, o crente é incorporado no Novo Povo de Deus. São Paulo diz que a nova circuncisão não é uma questão de rito, mas pelo Espírito Santo:

“Judeu é aquele que o é no seu interior. A verdadeira circuncisão é a do coração, segundo o Espírito e não segundo a letra da Lei” (Rm 2, 29).

Os ritos só por si não valem nada. Se o baptismo ficasse reduzido ao rito da água, diz São Paulo, não tinhas qualquer valor:

Os judeus também tiveram o seu baptismo em Moisés. No entanto, a maior parte deles não agradou a Deus.

E isto foi escrito, diz ele, para que não nos iludamos e pensemos que pelo facto de termos recebido o rito do baptismo já temos a salvação garantida (cf. 1 Cor 10, 1-7).

A teologia tradicional medieval afastou-se da visão do Novo Testamento quando começou a falar da celebração do baptismo como um acto mágico que opera automaticamente.

Na Primeira Carta aos Coríntios, São Paulo diz que Cristo não o enviou a baptizar, mas a pregar, pois a fé vem da pregação, não do rito (1 Cor 1, 17).

II-BAPTISMO E NOVO NASCIMENTO

O Novo Testamento ensina que nós somos incorporados na Família de Deus graças ao Espírito Santo que nos vem de Cristo ressuscitado.

Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo conduz-nos a Deus Pai que nos acolhe como filhos e ao Filho eterno de Deus que nos acolhe como irmãos (Rm 8, 14).

Podemos dizer que é pelo Espírito Santo que experimentamos o amor paternal de Deus Pai e o amor fraternal do Filho de Deus.

Pelo mistério da Encarnação o Filho de Deus escolheu ser nosso irmão, tornando-se o primogénito de muitos irmãos, como diz São Paulo (Rm 8, 29).

Mas para isto acontecer, diz Jesus no evangelho de São João, nós temos de nascer de novo através do Espírito Santo (Jo 3, 6).

É também este o poder que Deus nos dá de nos tornarmos filhos de Deus mediante a Encarnação, como diz o evangelho de São João (Jo 1, 12-14).

Referindo-se ao significado da Encarnação, o evangelho de São João diz que pelo mistério da Encarnação nos foi dado o poder de nos tornarmos filhos de Deus (Jo 1,12-14).

São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5).

Logo nos primórdios da Humanidade, Deus Pai comunicou-nos o hálito da vida através de um beijo (Gn 2, 7).

Através do beijo da Encarnação, o Filho de Deus introduziu-nos na Família Divina mediante a ternura maternal do Espírito Santo.

Eis as Palavras da Carta aos Gálatas: “Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, a fim de resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei e, deste modo, podermos receber a adopção de filhos.

E, porque somos filhos de Deus, ele enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho que em nós clama: Abba, Pai” (Gal 4, 4-6).

Isto significa que o Espírito Santo actua em nós como princípio de gerador de vida espiritual e princípio vital que nos diviniza.

No primeiro beijo acontece a intervenção especial de Deus na criação do homem. No segundo, acontece a incorporação e assunção do Homem na Família de Deus.

A vida divina não emerge em nós por obra da letra que mata, mas sim pelo Espírito que gera vida em nós, diz São Paulo (2 Cor 3, 6).

O baptismo mas é o sacramento que proclama e explicita esta realidade maravilhosa de Deus a actuar na nossa História e a salvar do Homem.

São Paulo diz que nós conhecemos o mistério da nossa filiação divina graças à revelação do Espírito Santo que penetra até ao mais íntimo os segredos da realidade, incluindo o mistério de Deus (1 Cor 2, 10-11).

A Carta a Tito diz que “Deus nos salvou, não pelas nossas obras, mas pela regeneração operada em nós pelo Espírito Santo que Deus Pai nos concedeu por Jesus Cristo nosso Salvador” (Tit 3, 5-6).

Graças ao facto de nós fazermos uma união orgânica com Cristo que o Espírito Santo tem condições para nos incorporar na família de Deus.

Sem a acção do Espírito Santo é impossível estar organicamente unido a Cristo diz São Paulo:
“Se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse não lhe pertence” (Rm 8, 9).

É isto que a Carta aos Efésios quer dizer quando afirma que o Espírito Santo é o penhor e a garantia da nossa salvação (Ef 1, 13-14).

No evangelho de São João, Jesus diz que a nossa união com ele é semelhante à união que existe entre a cepa da videira e os seus ramos. Jesus é a cepa e nós os ramos.

Os ramos são fecundos na medida que permanecem unidos à videira. E Jesus acrescenta: “Sem mim nada podeis fazer” (cf. Jo 15, 4-5).

Os cristãos que vivem o baptismo no Espírito Santo são estes ramos fecundos, capazes de transformar o mundo.

O Baptismo explicita e proclama este mistério da filiação divina a acontecer na História da Humanidade.

A filiação divina é para todos os seres humanos, não apenas para os baptizados. As comunidades cristãs são o sacramento da comunhão universal da Família de Deus.
Por outras palavras, a Igreja não é o Reino de Deus mas o Sacramento da salvação universal de Deus.

A Carta aos Filipenses diz que nós já possuímos uma vida nova, pois já somos filhos de Deus (Flp 2, 15-16).

A adopção filial, realizada pelo dom do Espírito Santo, é mais que um simples acto jurídico, mas uma nova geração graças à acção do Espírito Santo em nós (Jo 3, 6).

E a Carta aos Efésios diz que os pagãos não são apenas hóspedes, mas membros da Família Deus (Ef 2, 18-19).
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias



sábado, 24 de abril de 2010

A NOSSA META É O HOMEM NOVO EM CRISTO

Ao iniciar a marcha da Criação, Deus já tinha em mente o nível espiritual da vida humana, cuja plenitude se encontra em Deus.

Pelo mistério da Encarnação foi-nos dado o poder de nos tornarmos filhos de Deus através de um novo nascimento.

É por esta razão que Jesus disse que temos de nascer de novo pelo Espírito Santo (Jo 3, 6).

Eis o que diz o evangelho de São João: “A todos os que o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.

Estes não nasceram dos laços do sangue, nem dos impulsos da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus. E o Verbo encarnou e veio habitar entre nós” (Jo 1, 12-14).

Os seres humanos nascem inacabados, a fim de terem a possibilidade de completar a obra criadora de Deus.

Esta era uma condição essencial para a pessoa humana se estruturar como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa.

Emergir como pessoa significa crescer em densidade espiritual e capacidade de amar.

O ser humano nasce hominizado, isto é, com uma estrutura própria de homem, mas não nasce humanizado, pois a humanização é uma tarefa que a pessoa tem de realizar em contexto de relações e comunhão fraterna.

Depois de o barro estar amassado, diz o Livro do Génesis, Deus beijou-o e introduziu nele o hálito da vida, a fim de este iniciar a aventura da humanização (cf. Gn 2, 7).

Através da Encarnação Deus deu ao Homem um outro beijo, do qual derivou a divinização do Homem.

No início da grande epopeia da humanização, Deus Pai deu-nos o primeiro beijo, capacitando-nos para podermos emergir como pessoas mediante relações de amor.

O segundo beijo é-nos dado pelo Filho de Deus no momento da Encarnação, criando as condições para sermos divinizados e assumidos na Comunhão da Santíssima Trindade.

Por outras palavras, através da Encarnação, os seres humanos foram incorporados de modo orgânico na comunidade familiar de Deus.

Eis o que diz o evangelho de São João: “Jesus respondeu a Tomé: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim” (Jo 14, 6).

Graças à união orgânica que existe entre nós e Jesus, nós somos incorporados por ele na Família da Deus.

Jesus disse que a união orgânica que existe entre nós e ele é semelhante à união da cepa da videira com os seus ramos. Nós somos os ramos da videira cuja cepa é Jesus Cristo.

E Jesus acrescenta que nós só podemos ser ramos vivos e fecundos se permanecermos unidos à cepa da qual nos vem a seiva (cf. Jo 15, 4-5).

Segundo o evangelho de São João, falar da seiva da videira que vem da cepa para os ramos ou da Água Viva que vem de Cristo como fonte de Vida Eterna é falar do Espírito Santo (cf. Jo 4, 14; 7, 37-39).

O Espírito Santo é a bebida da Nova Aliança que Jesus e os discípulos beberão no Reino de Deus (Mt 26, 29 cf. Mc 14, 25; Lc 22, 17-18).

Ele é o hálito da vida que Deus comunicou ao barro primordial do qual saiu Adão (Gn 2, 7).

Ele é igualmente o beijo da Encarnação através do qual fomos introduzidos na plenitude dos tempos.

Com a ressurreição de Cristo, o tempo da gestação chegou à plenitude, dando início ao parto do qual vão nascer os novos filhos de Deus, como diz a diz a Carta aos Gálatas:

“Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher (…), a fim de recebermos a adopção de filhos.

E porque somos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito Santo de seu filho que, no nosso íntimo clama: Abba, ó Pai” (Ga 4, 4-6).

O plano salvador de Deus assenta, pois, sobre estes dois beijos de Deus: o beijo dos primórdios e o beijo da plenitude.

A Comunhão Universal para a qual convergem os seres humanos é a festa do Reino de Deus. Eis algumas afirmações de São Paulo:
“Na verdade, todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão que vos encha de medo.

Pelo contrário, recebestes um Espírito de adopção que faz de vós filhos adoptivos. É por este Espírito que clamamos “Abba” ó Pai.
O próprio Espírito Santo dá testemunho no nosso íntimo de que realmente somos filhos de Deus.
Ora, se somos filhos também somos herdeiros: herdeiros de Deus Pai e co-herdeiros com Cristo” (Rm 8, 14-16).

Graças à presença dinâmica do Espírito Santo em nós, Deus torna-se realmente o Emanuel, isto é, o Deus connosco, como diz o evangelho de São Mateus:

“Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho a quem chamarão Emanuel, isto é, Deus connosco” (Mt 1, 23).

Pelo primeiro beijo, o Espírito Santo Deus vai-nos moldando à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-27).

Pelo segundo, vai-nos incorporando na Família Divina (Jo 1, 12-14).

Pelo primeiro beijo, o Espírito Santo facilita a nossa caminhada no processo da humanização.

O Espírito Santo é o Espírito de Cristo ressuscitado. Assim como ressuscitou Jesus também nos vai ressuscitando com ele.

O sacramento da Eucaristia exprime esta união orgânica com Cristo que faz de nós uma unidade com o Filho Eterno de Deus e, através dele, um com o Pai:

“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, do mesmo modo quem me come viverá por mim” (Jo 6, 56-57).

São Paulo diz que o Filho de Deus, ao encarnar, se tornou o primogénito de muitos irmãos (Rm 8, 29).

Depois acrescenta que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5,5).

Na Primeira Carta aos Coríntios, ele diz que o nosso coração é um templo no qual habita o Espírito Santo:

“Não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1 Cor 3, 16).

E ainda: “Nós é que somos o templo do Deus vivo. Eis o que diz o Espírito de Deus: Habitarei e caminharei no meio deles, serei o seu Deus e eles serão o meu povo” (2 Cor 6, 16).

Diz ainda: “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que recebestes de Deus e que está em vós? “ (1 Cor 6, 19).

A presença do Espírito Santo em nós é uma força santificadora, diz São Paulo:

“Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá, pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1 Cor 3, 16-17).

Eis como o Livro do Apocalipse descreve a comunhão definitiva do Homem com Deus na plenitude do Reino:

“E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: “Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com os homens e eles serão o seu povo.
Deus estará com eles e será o seu Deus, enxugando todas as lágrimas dos seus olhos, pois já não haverá mais morte nem pranto nem dor”. (Apc 21, 3-4).
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias


segunda-feira, 19 de abril de 2010

E DEUS CONVIDOU-NOS PARA A SUA FESTA

Pai Santo

Naquilo que temos de bom somos realmente parecidos com Deus.

Foi por esta razão que tu nos enviaste o teu Filho com a missão de nos convidar para a Festa do teu Reino.

O teu convite é redigido pelo Espírito Santo nos nossos corações, dando-nos a garantia de que estamos salvos.

Eis as palavras de São Paulo: “Não sabeis que sois templos do Espírito Santo que habita em vós.

Na verdade, vós recebestes de Deus o Espírito Santo e por isso já não vos pertenceis, pois fostes comprados por um alto preço.” (1 Cor 6, 19-20).

A Segunda Carta aos Coríntios diz que o Espírito Santo é quem nos capacita para vivermos a dinâmica da Nova Aliança que é fonte de Vida Eterna:

“Pelas nossas forças e aptidões somos incapazes de pensar e realizar algo de bom. A nossa capacidade vem de Deus.

De facto é ele que nos torna aptos para sermos ministros de um Nova Aliança, não da letra, mas do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito dá Vida” (2 Cor 3, 5-6).

É este o sentido profundo da seguinte afirmação de São Paulo: “O Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações” (Rm 5, 5).

Isto quer dizer que estamos talhados para o amor.
A vida natural não pode subsistir sem água. Do mesmo, a pessoa humana, privada de amor, não pode emergir, acabando por definhar e morrer espiritualmente.

Por outras palavras, o amor é o fundamento da realidade. De facto, foi o amor que criou o Universo.

Quando a Primeira Carta de São João diz que Deus é amor, está a tocar no coração da essência divina (1 Jo 4, 7-8; 16).

Talhado para a comunhão com Deus, o ser humano está chamado a crescer sempre mais na sua capacidade de amar.

A dignidade da pessoa humana começa no facto de não nascer determinada como os animais. Cada pessoa está chamada a realizar-se como ser único, original e irrepetível.

Na medida em que emergem e crescem em contexto de comunhão amorosa, os seres humanos tornam-se pessoas cada vez mais semelhantes às pessoas da Santíssima Trindade.
A vida pessoal em relações de comunhão familiar foi a primeira realidade que existiu.

Trindade Santa

Glória a Vós que sois um Deus Fiel e Verdadeiro. Ainda não tinha sido iniciada a génese das galáxias e já existia um Deus comunidade de amor.

Como sois amor, a génese do universo foi iniciada pela força criadora do Amor.

Deus Santo

Vós sois comunhão de pessoas. Isto quer dizer que sois Vida em plenitude, pois a plenitude da pessoa não está em si, mas na comunhão amorosa.

Por outras palavras, a Vida em Plenitude precedeu o Universo!

Por ter sido criada à imagem e semelhança da Divindade, a Humanidade está a emergir de modo único, original e irrepetível no concreto de cada pessoa.

Com o aparecimento da vida pessoal-espiritual, a marcha evolutiva da Criação atingiu o limiar da eternidade. Depois veio Jesus Cristo, a fim de optimizara vida humana, divinizando-a.

Só o jeito de amar revela a qualidade do coração humano e a densidade da humanização de uma pessoa. É esta a matéria-prima que Cristo veio divinizar.

No Reino de Deus seremos eternamente conhecidos e identificados, pelo jeito de dançar o ritmo do amor.

Este jeito, no entanto, é adquirido enquanto vivemos na História.

É mediante o amor que a pessoa possui Deus e os outros, pois o ser humano possui Deus e aos outros na medida em que se dá.

De facto, ao dar-se, a pessoa não se perde. Pelo contrário, encontra-se na dinâmica da comunhão amorosa.

Estamos talhados para amar. É esta a nossa vocação fundamental.

Isto quer dizer que a pessoa que se recusa a amar não serva para a Vida Eterna.

Glória a Vós, Trindade Santíssima. Vós Sois a garantia da nossa plenitude!
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

quarta-feira, 14 de abril de 2010

CRISTO E A EMERGÊNCIA DO HOMEM NOVO

I - ASSUMIDOS COM CRISTO EM DEUS

Ao iniciar a marcha da Criação, Deus já tinha em mente o nível espiritual da vida humana, cuja plenitude se encontra em Deus.

Pelo mistério da Encarnação foi-nos dado o poder de nos tornarmos filhos de Deus através de um novo nascimento.

É por esta razão que Jesus disse que temos de nascer de novo pelo Espírito Santo (Jo 3, 6).

Eis o que diz o evangelho de São João: “A todos os que o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.

Estes não nasceram dos laços do sangue, nem dos impulsos da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus.

E o Verbo encarnou e veio habitar entre nós” (Jo 1, 12-14).

Os seres humanos nascem inacabados, a fim de terem a possibilidade de completar a obra criadora de Deus.

Esta era uma condição essencial para a pessoa humana se estruturar como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa.

Emergir como pessoa significa crescer em densidade espiritual e capacidade de amar.

O ser humano nasce hominizado, isto é, com uma estrutura própria de homem, mas não nasce humanizado, pois a humanização é uma tarefa que a pessoa tem de realizar em contexto de relações e comunhão fraterna.

Depois de o barro estar amassado, diz o Livro do Génesis, Deus beijou-o e introduziu nele o hálito da vida, a fim de este iniciar a aventura da humanização (cf. Gn 2, 7).

Através da Encarnação Deus deu ao Homem um outro beijo, do qual derivou a divinização do Homem.

No início da grande epopeia da humanização, Deus Pai deu-nos o primeiro beijo, capacitando-nos para podermos emergir como pessoas mediante relações de amor.

O segundo beijo é-nos dado pelo Filho de Deus no momento da Encarnação, criando as condições para sermos divinizados e assumidos na Comunhão da Santíssima Trindade.

Por outras palavras, através da Encarnação, os seres humanos foram incorporados de modo orgânico na comunidade familiar de Deus.

Eis o que diz o evangelho de São João: “Jesus respondeu a Tomé: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim” (Jo 14, 6).

Graças à união orgânica que existe entre nós e Jesus, nós somos incorporados por ele na Família da Deus.

Jesus disse que a união orgânica que existe entre nós e ele é semelhante à união da cepa da videira com os seus ramos. Nós somos os ramos da videira cuja cepa é Jesus Cristo.

E Jesus acrescenta que nós só podemos ser ramos vivos e fecundos se permanecermos unidos à cepa da qual nos vem a seiva (cf. Jo 15, 4-5).

Segundo o evangelho de São João, falar da seiva da videira que vem da cepa para os ramos ou da Água Viva que vem de Cristo como fonte de Vida Eterna é falar do Espírito Santo (cf. Jo 4, 14; 7, 37-39).

O Espírito Santo é a bebida da Nova Aliança que Jesus e os discípulos beberão no Reino de Deus (Mt 26, 29 cf. Mc 14, 25; Lc 22, 17-18).

Ele é o hálito da vida que Deus comunicou ao barro primordial do qual saiu Adão (Gn 2, 7).

Ele é igualmente o beijo da Encarnação através do qual fomos introduzidos na plenitude dos tempos.

Com a ressurreição de Cristo, o tempo da gestação chegou à plenitude, dando início ao parto do qual vão nascer os novos filhos de Deus, como diz a diz a Carta aos Gálatas:

“Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher (…), a fim de recebermos a adopção de filhos.

E porque somos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito Santo de seu filho que, no nosso íntimo clama: Abba, ó Pai” (Ga 4, 4-6).

O plano salvador de Deus assenta, pois, sobre estes dois beijos de Deus: o beijo dos primórdios e o beijo da plenitude.

A Comunhão Universal para a qual convergem os seres humanos é a festa do Reino de Deus.

Eis as palavras de São Paulo: “Na verdade, todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus.

Vós não recebestes um espírito de escravidão que vos encha de medo.

Pelo contrário, recebestes um Espírito de adopção que faz de vós filhos adoptivos.

É por este Espírito que clamamos “Abba” ó Pai. O próprio Espírito Santo dá testemunho no nosso íntimo de que realmente somos filhos de Deus.

Ora, se somos filhos também somos herdeiros: herdeiros de Deus Pai e co-herdeiros com Cristo” (Rm 8, 14-16).

Graças à presença dinâmica do Espírito Santo em nós, Deus torna-se realmente o Emanuel, isto é, o Deus connosco, como diz o evangelho de São Mateus:

“Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho a quem chamarão Emanuel, isto é, Deus connosco” (Mt 1, 23).

Pelo primeiro beijo, o Espírito Santo Deus vai-nos moldando à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-27).

Pelo segundo, vai-nos incorporando na Família Divina (Jo 1, 12-14).

Pelo primeiro beijo, o Espírito Santo facilita a nossa caminhada no processo da humanização.

O Espírito Santo é o Espírito de Cristo ressuscitado. Assim como ressuscitou Jesus também nos vai ressuscitando com ele.

O sacramento da Eucaristia exprime esta união orgânica com Cristo que faz de nós uma unidade com o Filho Eterno de Deus e, através dele, um com o Pai:

“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele.

Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, do mesmo modo quem me come viverá por mim” (Jo 6, 56-57).

São Paulo diz que o Filho de Deus, ao encarnar, se tornou o primogénito de muitos irmãos (Rm 8, 29).

Depois acrescenta que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5,5).

Na Primeira Carta aos Coríntios, ele diz que o nosso coração é um templo no qual habita o Espírito Santo:

“Não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1 Cor 3, 16).

E ainda: “Nós é que somos o templo do Deus vivo. Eis o que diz o Espírito de Deus:

Habitarei e caminharei no meio deles, serei o seu Deus e eles serão o meu povo” (2 Cor 6, 16).

Diz ainda: “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que recebestes de Deus e que está em vós? “ (1 Cor 6, 19).

A presença do Espírito Santo em nós é uma força santificadora, diz São Paulo:

“Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?

Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá, pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1 Cor 3, 16-17).

Eis como o Livro do Apocalipse descreve a comunhão definitiva do Homem com Deus na plenitude do Reino:

“E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: “Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com os homens e eles serão o seu povo.

Deus estará com eles e será o seu Deus, enxugando todas as lágrimas dos seus olhos, pois já não haverá mais morte nem pranto nem dor”. (Apc 21, 3-4).

II – O CORAÇÃO HUMILDE DO HOMEM NOVO

É bom saborear a arte e as atitudes que modelam o coração do Homem Novo cujo alicerce é Jesus Cristo.

Eis algumas dessas atitudes fundamentais:

O coração do Homem Novo torna-se acolhedor e fraterno.

É tolerante e por isso não está sempre a culpar os outros das suas insatisfações e fracassos.

Sabe aceitar as próprias limitações e procura realizar-se com os talentos que tem.

Por ser humilde, o Homem Novo, é verdadeiro em relação a si e aos outros.

Parte do princípio que uma pessoa, para se realizar, precisa dos outros.

Compreende o mistério da pessoa cuja plenitude não está em si, mas na reciprocidade da comunhão.

A pessoa que não aprende a escutar o irmão e a aceitá-lo como ele é nunca será capaz de moldar um coração de Homem Novo.

As pessoas demasiado enredadas no seu egoísmo apenas conseguem escutar-se a si próprias e, portanto, nunca conseguirão sintonizar e comungar com os outros.

A pessoa humilde reconhece os seus erros e sabe que só o amor é capaz de curar as feridas do pecado.

O Homem Novo não está sempre a julgar os outros. Na verdade, as pessoas que estão sempre a olhar os defeitos dos outros, normalmente estão a projectar os seus defeitos nos irmãos.

Jesus disse que do coração humano tanto podem emergir projectos de amor como decisões e projectos de morte:

“O que sai da boca provém do coração e isso pode tornar o homem impuro.

Do coração procedem as más intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfémias. Tudo isto torna o homem impuro” (Mt 15, 19-20).

Visto sob este prisma, o coração corresponde ao nosso conceito de livre arbítrio, isto é, a capacidade psíquica de optar pelo bem ou pelo mal.

O Homem Novo relaciona-se com os irmãos de modo amável e sereno vivendo já a bem-aventurança prometida por Jesus aos mansos:

“Felizes os mansos porque possuirão a Terra” (Mt 5,5).

Ao declarar os mansos como possuidores da Terra, Jesus queria dizer que os mansos são possuidores de paz e serenidade em todo o lado.

Na verdade, a amabilidade desmonta a violência e a agressividade com que os outros pretendem, por vezes, agredir-nos.

O Homem Novo tem a gentileza de dar a primazia uma atitude que ajuda a moldar um coração atento e fraterno.

Saber reconhecer os momentos oportunos para falar e as melhores ocasiões para escutar é sinal de sabedoria.

É um excelente sinal de amor e humildade saber evitar argumentos inúteis que só servem para exaltar os ânimos.

A capacidade de reconhecer quando o outro tem razão é um excelente sinal de humildade.

O Homem Novo sabe que ao romper com o amor está a romper com Deus, pois Deus é amor.

O Homem Novo faz do amor a Deus o rochedo sólido para edificar a sua casa, sabendo, no
entanto, que o amor a Deus passa sempre pelo amor aos irmãos.

O Homem Novo cultiva a arte facilitar a realização dos outros, sabendo que o importante é aceitá-los por eles serem o que são e não por fazerem o que ele gostaria que fizessem.

Nos seus diálogos, o Homem Novo tenta comunicar sempre numa linha de verdade e autenticidade.

No trato com os irmãos, o Homem Novo não está sempre a olhar só para os seus interesses pessoais, mas é capaz de ajudar os outros com o seu ter e o seu saber.

O Homem Novo reconhece que os outros são um dom um dom de Deus, pois são mediações para se realizar e ser feliz. Na verdade, ninguém é feliz sozinho!

O Homem Novo sabe que sabe que só poderá fazer da Família de Deus com os outros. Na verdade ninguém se salva sozinho.

O Homem Novo tem uma grande capacidade de sintonizar com os outros, pois sabe que não é bom em tudo e por isso presta grande atenção ao que eles dizem e fazem.

O Homem Novo mostra-se agradecido quando se apercebe que os outros estão a ser atentos e respeitadores da sua diferença e originalidade.

As pessoas que tentam controlar e manipular os outros nunca conseguirão ter um coração de Homem Novo, pois estão a impedir que o outro possa emergir como pessoa livre, consciente e responsável.

Amar os outros, apesar dos seus defeitos é amá-los ao jeito de Deus.

O Homem Novo é leal e verdadeiro, por isso se alegra com os sucessos dos outros como se fossem seus.

Por ser humilde, o Homem Novo não alimenta ressentimentos ou planos de vingança.

O homem Novo não é um dominador nem um possessivo, pois sabe edificar sobre a gratuidade.

As pessoas que dão coisas para amarrar os outros nem são felizes nem são capazes de ajudas os outros a emergir como pessoas livres, criativas e felizes.

O Homem Novo entende muito bem as palavras de Jesus que pede aos discípulos para o imitarem, tornando-se mansos e humildes de coração.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias


quinta-feira, 8 de abril de 2010

A FÉ GERA SABEDORIA E TRANSFORMA A VIDA

Os horizontes da fé cristã são os mesmos horizontes da Palavra de Deus.

Isto significa que a fé é um dom de Deus e não um simples resultado da reflexão humana.

Por outras palavras, os conteúdos da fé cristã brotam da revelação, a qual vai moldando o nosso modo de ser e agir, graças à acção Espírito Santo em nós.

Eis alguns conteúdos da fé que configuram o modo como vemos o sentido da vida e dos acontecimentos:

Em primeiro lugar acreditamos que há um só Deus, o qual é uma comunhão familiar de três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo.

Acreditamos que Deus é amor, como diz a Primeira Carta de São João (1 Jo 4, 7; 4, 16).

Acreditamos que a Criação é essencialmente boa, pois é obra de um Deus que é amor.

A nossa fé diz-nos também que, pelo mistério da Encarnação, o divino se enxertou no humano, a fim de nós sermos divinizados.

Acreditamos que o Filho Eterno de Deus se exprimiu em grandeza humana através de Jesus de Nazaré.
Acreditamos que, em Cristo, o humano e o divino fazem uma união orgânica e interactiva.

Graças a esta união, o Filho Eterno de Deus e Jesus de Nazaré, o filho de Maria, fazem um, mas sem se confundirem nem fundirem.

Acreditamos que o Espírito Santo é uma pessoa cujo modo de ser e agir consiste em dinamizar as relações de amor entre as Pessoas de Deus Pai e a pessoa do Filho Eterno de Deus.

Por outras palavras, acreditamos que o Espírito Santo, com seu jeito maternal de amar, exerce um papel fundamental no acontecimento de Cristo.

É isto que o credo quer dizer quando afirma que o Filho de Deus encarnou pelo Espírito Santo.

Acreditamos que Deus decidiu revelar-se ao Homem, escolhendo, para isso, um povo que seja o medianeiro da revelação para a Humanidade.

Até Jesus Cristo o medianeiro da dinâmica histórica da revelação foi o Povo Hebreu.

Jesus Cristo dá início ao Povo da Nova Aliança constituído, não por uma raça e uma língua, mas por gentes de todas as raças, línguas, povos e nações.

Deste modo, o Novo povo de Deus pode anunciar a Palavra de Deus no interior de todas as raças, línguas, povos e nações, tornando-se assim o sacramento do plano da salvação universal de Deus.

Acreditamos que Deus é amor e, portanto, não condena ninguém, pois não se pode negar a si mesmo.

Acreditamos que a pessoa humana é capaz de romper a comunhão amorosa com Deus, mas não é capaz de fazer que Deus deixe de a amar de modo incondicional.

Por ser amor, Deus não condena ninguém. As pessoas que vão para a morte eterna condenam-se por sua própria decisão.

Devido ao facto de o Homem ainda não estar acabado, nós acreditamos que Deus o está criando à sua imagem e semelhança.

Na verdade, o Homem é um ser em construção, tanto na sua dimensão física, como psíquica, social ou espiritual.

Acreditamos que a pessoa humana não se esgota na sua dimensão biológica.

Acreditamos que a morte não mata a pessoa, mas apenas o seu ser exterior.

Acreditamos que no momento da morte da pessoa, a sua interioridade espiritual é assumida e incorporada na Família de Deus.

Acreditamos que a Vida Eterna acontece através da ressurreição e não apenas através de uma simples subsistência imortal.

Acreditamos que o núcleo do Evangelho é a Boa Notícia da ressurreição e não uma simples crença na imortalidade da alma.

Com efeito, a imortalidade é um conceito que já existia no mundo pagão muito antes de Jesus Cristo.

Acreditamos que a humanização do Homem é uma tarefa ética que, em síntese, implica dizer sim aos apelos do amor e dizer não ao que se opõe ao amor.

Jesus fez do amor o seu único mandamento, pois sabia que o amor é a dinâmica que possibilita a emergência e estruturação da pessoa humana.

Acreditamos que o anúncio do Evangelho é um serviço importante para o bem da Humanidade.

Acreditamos que para o cristão, a disposição de viver como discípulo de Jesus Cristo é a melhor opção para o cristão se realizar e ser feliz.

Acreditamos que Deus não é uma entidade que se limita a pedir-nos práticas religiosas, fundadas em cultos e ritos bem executados.

É sinal de maturidade cristã ter presente que o Espírito Santo habita no nosso íntimo e aí nos vai moldando à imagem e semelhança de Deus.

Quanto mais vivermos esta realidade de modo consciente, mais aptos vamos ficando para testemunhar o amor de Deus para com os seres humanos.

O sentido da vida humana não é uma evidência que se impõe logo à partida, mas uma descoberta gradual e progressiva que vai amadurecendo em nós.

Em primeiro lugar trata-se de uma descoberta que vai amadurecendo no coração da pessoa que tenta encontrar as razões do que lhe acontece.

Para os cristãos, o sentido da vida é visto numa perspectiva mais profunda:

Trata-se de uma revelação, isto é, de uma confidência do Espírito Santo que habita em nós e vai balbuciando em nós a Palavra de Deus.

Por outras palavras, o sentido cristão da vida tem como horizonte a Sabedoria que vem da Palavra de Deus.

Eis o que diz o evangelho de São João: “Quando o Espírito da Verdade vier, ele vai guiar-vos para a Verdade Plena.

Ele não falará só por si, mas há-de dar-vos a conhecer quanto ouvir e anunciar-vos-á o que há-de vir” (Jo 16, 13).

Os crentes que se abrem à Palavra de Deus e à luz do Espírito Santo começam a adquirir uma sabedoria cujos horizontes transcendem o alcance da inteligência Humana.

As mediações de que o Espírito Santo se serve para fazer esta confidência no nosso íntimo são a Escritura, a Comunidade Cristã e os acontecimentos da História Humana.

À luz da Palavra de Deus, a grande razão pela qual vale a pena viver é o amor.

Jesus ensinou aos discípulos que o amor é uma razão que vale tanto para viver como para morrer. Eis as suas palavras:

“É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei.

Ninguém tem mais amor do que aquele que dá ávida pelos seus amigos” (Jo 15, 12-13).

Na verdade, só o Espírito Santo pode projectar luz sobre muitos acontecimentos que parecem tirar todo o sentido à vida. Com efeito, a Palavra de Deus optimiza o sentido daquilo que já o tem e confere sentido àquilo que parece não o ter.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias


segunda-feira, 5 de abril de 2010

BÍBLIA E CONTEMPLAÇÃO DA FACE DE DEUS

I-A FACE DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO

O rosto de Deus, na bíblia, significa o seu ser e a sua identidade.

Quando a bíblia diz que um patriarca ou um profeta procura o rosto de Deus quer dizer que deseja entrar na intimidade de Deus.

Por outro lado, há muitas passagens do Antigo Testamento que falam da impossibilidade de ver a face de Deus.

O livro do Génesis fala de uma experiência do patriarca Jacob, dizendo que durante uma noite inteira ele teve de lutar com um personagem desconhecido.

De manhã, diz o texto, Jacob apercebeu-se que se tratava de Deus, pelo que ficou muito assustado e também admirado, pois apesar de ter visto a face de Deus não morreu (Gn 32, 30).

Este relato pretende afirmar que o Jacob teve acesso ao mistério da intimidade de Deus, privilégio que não era concedido aos mortais.

Na visão antiga, pensava-se que a transcendência e a santidade de Deus são realidades tão sublimes e distantes que a sua proximidade pode representar uma ameaça para o ser humano que é pobre e pecador.

É expressivo o relato do Livro do Êxodo no qual aparece Moisés pedindo a Deus que lhe mostre o seu rosto.

Deus respondeu-lhe dizendo que o ser humano não pode ver o rosto de Deus e continuar a viver:

“Não podes ver o meu rosto, disse Deus, pois o homem não me pode ver e continuar a viver” (Ex 33, 20).

Na verdade, o autor quer dizer apenas que Deus e Moisés não são iguais. Deus é santidade e perfeição infinitas, ao passo que o ser humano é imperfeito e pecador.

Quando a Bíblia diz que o ser humano não pode ver o rosto de Deus, quer dizer que a pessoa humana não tem capacidade para captar Deus de modo perfeito.

A prova de que estes textos não devem ser tomados à letra, é que o autor, no capítulo vinte e quatro do mesmo Livro do Êxodo, afirma que Moisés viu a face de Deus e não morreu (Ex 24, 10-11).

Nesta mesma linha, o Livro do Deuteronómio diz que Moisés foi especial entre os profetas, pois Deus comunicou face a face com ele (Dt 34, 10).

Estes textos pretendem apenas afirmar a grande intimidade que existia na relação de Deus com Moisés.

A aparente contradição destes textos não é mais que uma tentativa de afirmar por um lado a total transcendência de Deus e, por outro, a sua presença junto do Homem.

Por vezes a bíblia diz que Deus esconde o seu rosto quando está magoado com os pecados do povo. Estas afirmações querem dizer que a relação de Deus com o Homem está ofuscada.

A palavra hebraica “Paniym” significa realmente rosto e presença. Esconder o rosto é ocultar a presença e a intimidade.

No Livro do Êxodo, Moisés é apresentado como o grande revelador do rosto de Deus, pois ele é o medianeiro privilegiado que actua entre Deus e o Povo Hebreu.
A maneira de Moisés revelar o rosto de Deus ao povo consistia em ir encontro de Deus e depois voltar para junto do povo comunicando-lhe a vontade e o sentir de Deus.

Isto significa que o portador da mensagem de Deus é uma pessoa que fala de Deus como de alguém com quem acabou de se encontrar.

Eis alguns textos significativos sobre o papel do medianeiro de Deus:
“E Moisés subiu até Deus (Ex 19, 3). Então Moisés desceu de junto de Deus e falou aos anciãos do Povo (Ex 19, 7).

Moisés levou as palavras do Povo até junto de Deus (Ex 19, 8). Então Moisés desceu da montanha até à planície onde se encontrava o Povo (Ex 19, 14).

O Senhor chamou Moisés do alto da montanha e Moisés subiu até ao topo da montanha onde conversou com Deus (Ex 19, 20).

Depois, Moisés desceu até junto do Povo e disse (Ex 19, 25). Depois, Moisés subiu para receber as tábuas da Lei.

O Povo, aterrorizado, mantinha-se à distância e não quis aproximar-se da nuvem densa a partir da qual Deus comunicava com Moisés (Ex 20, 18-21).

O Povo mantinha-se à distância, enquanto Moisés se aproximou da densidade da nuvem na qual Deus estava presente (Ex 20, 21).

Moisés desceu até junto do Povo e relatou as palavras do Senhor e os seus preceitos (Ex 24, 3);
De novo Moisés subiu à montanha cujo pico ficou coberto pela nuvem (Ex 24, 15).

Então, Moisés recebeu as tábuas da Lei, as quais foram escritas pelo próprio dedo de Deus (Ex 31, 18).

Moisés desceu da montanha, trazendo as Tábuas da Lei, as quais estavam escritas dos dois lados (Ex 32, 15).

Em seguida, Moisés voltou até junto de Deus (Ex 32, 31).

Deus disse a Moisés: “Agora vai e conduz o Povo até onde eu te disse” (Ex32, 34).

Moisés desceu da montanha, mas não sabia que o seu rosto brilhava em virtude de ter falado com Deus (Ex 34, 29).

Este texto significa que o portador da Palavra de Deus leva em si as marcas da mesma Palavra.
II-A FACE DE DEUS NO NOVO TESTAMENTO

Segundo Jesus Cristo o coração da pessoa humana é o ponto de encontro onde acontece o face a face com Deus.

Era isto que São Paulo queria dizer quando afirmou que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5).

Na primeira Carta aos Coríntios ele reforça mais esta ideia dizendo que o Espírito Santo habita nos nossos corações como num templo (1 Cor 3, 16).

É no íntimo do nosso coração que o Espírito Santo nos põe face a face com Deus Pai que nos acolhe como filhos e com o Filho de Deus que nos acolhe como irmãos (Rm 8, 14-17).

No evangelho de São Mateus, Jesus diz aos discípulos que eles têm o privilégio de aceder aos mistérios do Reino:

“A vós foi-vos dado conhecer o mistério do Reino dos Céus, mas aos de fora não” (Mt 13, 11).

E São Lucas acrescenta: “Felizes os olhos que vêem o que estais a ver. Na verdade, muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não o ouviram!” (Lc 10, 23-24).

Na verdade, Jesus Cristo é uma expressão privilegiada do rosto de Deus na História.

Antes de revelar a face de Deus aos homens, Jesus Cristo comunicou face a face com o próprio Deus:

Eis um relato muito bonito de São Lucas: “No momento de ser baptizado, Jesus entrou em oração.
Então, o Céu abriu-se e o Espírito Santo desceu sobre ele, tendo a forma corporal de uma pomba.

Nesse momento, ouviu-se uma voz vinda do Céu que disse: “Tu és o meu filho bem-amado. Hoje mesmo te gerei” (Lc 3, 21-22).

Antes de iniciar a sua missão, Jesus foi consagrado pelo Espírito santo e o Pai declara que ele é o Messias, o filho de Deus.

Tal como aconteceu com Moisés, Jesus procurava as colinas e os lugares silenciosos para entrar em comunhão com a intimidade de Deus.

O ruído e a dispersão não são boas mediações para nos encontrarmos face a face com Deus:
“Tomando consigo Pedro, João e Tiago, Jesus subiu à montanha para orar.

Enquanto orava, o aspecto do seu rosto alterou-se e as suas vestes tornam-se brilhantes” (Lc 9, 28-29).

Não é difícil descobrir a associação destes relatos com os relatos do Antigo Testamento que nos falam dos encontros de Moisés com Deus:

“De madrugada, estando ainda escuro, Jesus levantou-se e retirou-se para um lugar deserto, a fim de orar (Mc 1, 35).

São Mateus diz mais ou menos a mesma coisa: “Tendo despedido as multidões, Jesus subiu ao monte para orar a sós” (Mt 14, 23).

Olhando para os ensinamentos de Jesus, vemos como Moisés e os profetas ficaram muito aquém de Jesus no que se refere à profundidade do conhecimento e da experiência de Deus.

Basta olhar para a profundidade deste texto do evangelho de São João para compreendermos o salto de qualidade que a revelação deu com Jesus Cristo:

“Jesus disse a Filipe: “Há tanto tempo que estou convosco e não ficaste a conhecer-me, Filipe?
Quem me vê, vê o Pai. Como é que ainda me pedes para te mostrar o Pai?

Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?” (Jo 14, 9-10).

Numa outra passagem Jesus fez a seguinte afirmação: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30).

Quando a bíblia diz que Deus nos mostra o seu rosto, não está a falar de um acontecimento exterior.

Deus revela-se ao Homem a partir de dentro, pois ele é a interioridade máxima da realidade.

Por outras palavras, quando Deus vem ao nosso encontro nunca vem a partir de fora.

A Primeira Carta aos Coríntios diz que o nosso coração é um templo onde o Espírito de Deus habita (1 Cor 3, 16).

No evangelho de São João, Jesus diz aos discípulos que a revelação acontece no coração da pessoa humana porque Deus faz uma união orgânica connosco:

“Nesse dia, disse Jesus, compreendereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós” (Jo 14, 20).

Por ser homem como nós, Jesus é um medianeiro privilegiado entre Deus o Homem como afirma a primeira Carta a Timóteo (1 Tim 2, 5).

O medianeiro tem a missão de revelar o rosto de Deus: “Jesus respondeu: eu sou o Caminho a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir ao Pai senão por mim.

Se me conheceis, conhecereis também o Pai. E já o conheceis, pois estais a vê-lo” (Jo 14, 6-7).

Por outras palavras, e atitudes de Jesus são uma revelação perfeita do rosto de Deus. A fidelidade incondicional de Jesus à vontade de Deus é o meio mais perfeito de ele nos revelar o rosto do Pai.

À imitação de Jesus, também nós, os cristãos, estamos chamados a ser no mundo uma revelação do rosto de Deus.

É isto que São Paulo quer afirmar quando diz que as comunidades cristãs são o corpo de Cristo (1 Cor, 10, 17; 12, 27).

Quando acolhemos a Palavra de Deus no nosso coração, o Espírito Santo consagra-nos para anunciarmos essa Palavra ao mundo.

Enquanto orava, Jesus fazia a experiência do face a face com Deus no mais íntimo do seu coração. Por isso ele era uma mediação privilegiada para revelar o rosto de Deus ao mundo.

Quando Jesus falava do seu Pai, as pessoas tinham um pouco a sensação de que ele tinha acabado de se encontrar com o seu Pai do Céu.

No evangelho de São Mateus, Jesus insiste na importância da missão dos cristãos para que o rosto de Deus seja revelado aos homens:

“Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar?

Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens” (Mt 5, 13).
Depois acrescentou: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre o monte, nem se acende a candeia para a colocar debaixo da mesa, mas sim em cima, a fim de iluminar todas as pessoas” (Mt 5, 14-16).

Como continuadores da missão de Jesus Cristo, os cristãos estão chamados a ser reveladores do rosto de Deus no mundo.

Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matiasw


quinta-feira, 1 de abril de 2010

CRISTO COMO CÚPULA DA HISTÓRIA HUMANA

Pela sua condição de pessoa, o Homem faz parte da cúpula personalizada do Universo. Isto quer dizer que o Homem pertence ao melhor que a génese criadora do Universo produziu.

Graças à sua condição de pessoa, o ser humano é proporcional ao próprio Deus. Na verdade, a Divindade é pessoas e a Humanidade também.

Por outras palavras, devido ao facto de a Humanidade ser uma união orgânica de pessoas, faz do Homem um ser proporcional ao próprio Deus. Isto quer dizer que já pode acontecer interacção amorosa entre Deus e o Homem.

Através da dinâmica da Encarnação o divino enxertou-se no humano, a fim de o Homem ser divinizado.

O ponto da união orgânica do divino com o humano é o coração de Jesus Cristo.

A vida pessoal humana tem sabor a eternidade, pois ao atingir a densidade espiritual entrou na esfera da imortalidade.

Como realidade em construção, a Humanidade está a emergir em cada ser humano de forma única, original e irrepetível.

A multidão dos seres humanos que nos precederam na aventura da história já está incorporada na comunhão Universal da Família de Deus.

Por outras palavras, os milhões de seres humanos que nos precederam na História, já habitam a Comunhão Familiar da Família da Santíssima Trindade.

E nós, graças ao mistério da Encarnação, já estamos unidos a eles, pois fazemos parte da Comunhão Universal dos Santos.

Isto significa que Deus é realmente o Emanuel, isto é, o Deus connosco. Com efeito, a morada de Deus é um campo espiritual contínuo de interacções amorosas, o qual constitui a interioridade máxima do Universo.

Na verdade, Deus vem até nós sempre a partir de dentro.

E nós, para nos encontrarmos com Deus, temos caminhar sempre no sentido da nossa interioridade, pois o ponto do nosso encontro com Deus ó nosso próprio coração.
Eis as palavras de São Paulo: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?

Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá, pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1 Cor 3, 16-17).

Na Carta aos Romanos, São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5).

Estas afirmações ajudam-nos a compreender como o mistério da Encarnação proporcionou à Humanidade um salto de qualidade.

A Carta aos Gálatas diz que, com Cristo chegou a plenitude dos tempos. Os tempos anteriores a Cristo foram os tempos da gestação. Com a Encarnação começou a dinâmica do parto, iniciando o nascimento dos filhos de Deus:

“Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho nascido de uma mulher sujeita ao domínio da Lei, a fim de resgatar os que se encontravam sujeitos à Lei e conceder-lhes a adopção de Filhos de Deus.

E porque somos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho que, nos nossos corações clama: “Abba, papá querido”.

Deste modo já não és escravo, mas filho. E se és filho és também herdeiro pela graça de Deus” (Gal 4, 4-7).

Segundo a Carta aos Romanos, nós somos incorporados na Família de Deus como filhos e herdeiros em relação a Deus Pai e como irmãos e co-herdeiros em relação ao Filho de Deus” (Rm 8, 14-17).

Com o mistério da Encarnação aconteceu uma união orgânica e interactiva do divino com o humano em Jesus Cristo.

Nesta interacção, nem o humano é anulado, nem o divino é diminuído. Eis as palavras de São na Carta aos Romanos:

“De facto, todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus.
Vós não recebestes um espírito de escravidão para andardes com medo. Pelo contrário, recebestes um Espírito de adopção que faz de todos nós filhos de Deus e nos leva a chamar a Deus “Abba”, isto é, Pai Querido!”

É o próprio Espírito Santo que, no nosso íntimo, dá testemunho de que somos realmente filhos de Deus.

Ora, se somos filhos, somos também herdeiros de Deus Pai e co-herdeiros com o Filho de Deus” (Rm 8, 14-17).

Os evangelhos gostam de apresentar o Reino de Deus em forma de um banquete. Na verdade trata-se do grande banquete da Família de Deus.

Por outras palavras, o Reino de Deus é a festa universal do Amor, onde todos dançam o ritmo do amor, mas cada qual com o jeito que treinou enquanto viveu na terra.

Isto significa que é na História que estamos a edificar a nossa identidade espiritual, isto é, o nosso jeito de amar.

O evangelho de São João diz que o Filho de Deus, ao encarnar, nos deu o poder de nos tornarmos filhos de Deus:

“Mas a quantos o receberam, aos que nele crêem deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.

Estes não nasceram dos laços do sangue, nem dos impulsos da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus.

O Verbo encarnou e veio habitar no nosso meio. E nós vimos a sua glória, essa glória que ele possui como filho unigénito do Pai cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 12-14).

Ao nascer da aurora, Deus modelou o barro primordial do qual nasceu Adão (cf. Gn 2, 7).

Ao chegar o meio-dia, Deus concedeu ao Homem o dom da divinização, salvando-o em Cristo:

“Se alguém está em Cristo é uma Nova Criação. O que era velho passou. Eis que tudo se fez novo.

Tudo isto vem de Deus que, em Cristo, nos reconciliou consigo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (2 Cor 5, 17-19).

Os anseios mais profundos do coração humano encontram a sua realização no acontecimento de Jesus Cristo, a cúpula da Nova Humanidade.

Caminhando de modo gradual e progressivo por este caminho, vamo-nos aproximando da plenitude universal, a qual acontece na festa da Família Universal de Deus.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias