sábado, 17 de julho de 2010

O Parto Derradeiro...



«O acto de morrer é a derradeira possibilidade de renascer.
O evangelho de São João diz-nos

que o ser humano nasceu para renascer (Jo 3,3-6).
A consciência da nossa morte ilumina o sentido que a vida tem.
Os animais não sabem que um dia irão morrer.
Por isso não são capazes de criar sentidos para viver.

Com efeito, os sentidos da vida e da morte caminham a passo igual.
Eis a razão pela qual, o sentido máximo da vida acontece na fase terminal.
Nessa altura descobrimos que as causas que valem para morrer
são exactamente as
mesmas que valem para viver: o amor.

Segundo os ensinamentos de Jesus,
o amor atinge a sua profundidade máxima
quando a pessoa se dispõe a dar a vida pelas pessoas que ama.
Quem ama até à morte nasce para a plenitude da vida.
Felizes as pessoas que sabem gastar a vida pelas causas do amor,

mesmo que essa opção de vida faça com que a morte chegue mais cedo.
Para estas pessoas, a morte final não tem qualquer sentido

de uma tragédia sem saída.

Os que decidem gastar a vida pelo amor
vão morrendo todos os dias ao homem egoísta que há em nós.
Este homem egoísta converte a ideia da morte

num fracasso e numa tragédia.
Morrer para dar vida é a maneira mais perfeita de viver
e o nosso ser interior rebentar os muros da finitude

que o nosso ser exterior lhe quer impor.
Com efeito, o Homem Novo não pode nascer
sem que o velho vá morrendo, pois a Vida Nova não nasce
sem que a velha vá gastando pelas causas da fraternidade e do amor.

Há seres humanos que vão renascendo todos os dias para a plenitude da vida,

pois sabem morrer em cada dia ao às forças negativas do egoísmo.
Há muitas pessoas que, ao tomarem consciência da proximidade da morte,

se sentem particularmente chamadas a fazer o bem.
No fundo, é como se sentissem um apelo mais profundo a ser fecundas,

isto é, a dar frutos de vida eterna.


Podemos dizer que a morte é o parto fundamental
para o nascimento definitivo.
A consciência da nossa morte é o convite a criar sentidos para viver.
Por ser espiritual, a nossa interioridade pessoal
não cai sob a alçada da morte.
Pelo contrário, é pela morte que a pessoa entra
de modo pleno na comunhão universal.

Sabemos que não há ressurreição sem morte.
Ou melhor, que é no próprio acto de morrer que a Ressurreição acontece,
graças ao Espírito de Cristo Ressuscitado.
A razão da nossa vida na história
não é apenas prolongar o mais possível a vida mortal,
mas para construirmos a vida eterna.
Por outras palavras, sábias são as pessoas
que sabem aproveitar a vida presente para construir a vida futura.

Como sabemos, apenas o nosso ser interior, por ser pessoal
e espiritual, tem densidade de vida eterna.
Na verdade, a morte é condição para atingirmos
a nossa glorificação com Cristo Ressuscitado.

Graças ao mistério da Encarnação,
a salvação já está ao nosso alcance!
O Filho de Deus fez-se nosso irmão,
a fim de nós sermos membros da Família Divina.

A morte é, pois, o parto derradeiro através do qual nascemos
de modo de modo pleno e definitivo para a Família de Deus.
A morte não mata a pessoa, pois esta é imortal
no seu núcleo espiritual, mas destrói o nosso ser exterior.

Com seu jeito m
aternal de amar, O Espírito Santo configura-nos interiormente com Cristo
e introduz-nos na Família Divina (Rm 8, 14-17; Ga 4, 4-7).
Graças a Cristo Ressuscitado,
voltamos a ter acesso ao fruto da Árvore da Vida
do qual tínhamos sido privados por Adão (cf. Gn 3, 22-24).
Do Novo Adão, Cristo ressuscitado, veio o Homem Novo,
espiritual e membro da Família de Deus (Rm 5, 17-19; Rm 8, 14-16).
Ele é a cabeça da Nova Humanidade
e o medianeiro da reconciliação universal com Deus (2 Cor 5, 17-19).»


E é Bom, de verdade, acompanhar nos derradeiros dias da sua história a alguém que testemunha este Mistério da Vida... O pe. Santos Calmeiro Matias vive hoje a sua Morte, a sua Páscoa, no fim de uma luta contra um cancro que já durava há dois anos e que se tornou muito mais forte no último mês. E a certeza de que uma vida construida nos passos do Amor e da Humanização só pode vencer a própria morte... E claro, também o seu pensamento continuará a ser-nos partilhado aqui nos seus blogs.

Porto, 17 de Julho de 2010
Em Comunhão Convosco