As maravilhas ligadas aos relatos do nascimento e da infância de Jesus querem significar os planos que Deus tem para ele.
A elaboração destes relatos tem a função pedagógica de apontar para Jesus e para a missão que Deus lhe vai confiar.
Vejamos o encontro com o Simeão, o ancião do templo: Maria foi ao templo para fazer a apresentação do seu filho ao Senhor.
Nesse momento aparece um ancião chamado Simeão, homem justo e piedoso, o qual esperava a consolação de Israel.
Simeão estava cheio do Espírito Santo (Lc 1, 25). Inspirado pelo Espírito Santo, toma o menino nos braços e exclama:
“Agora, Senhor, deixa partir este teu servo em paz, pois de acordo com aquilo que me tinhas revelado, os meus olhos acabam de ver a salvação que prometeste a todos os povos.
Ele é a luz que vem iluminar e tornar-se conhecida das nações. Ele é a glória de Israel teu povo”.
Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele.
Simeão abençoou-os e disse a Maria sua mãe: “Este menino será um sinal de contradição. Será causa de queda e ressurgimento de muitos em Israel.
Uma espada trespassará o teu coração e assim se revelarão os pensamentos de muitos corações” (Lc 2, 29-35).
Maria traz o seu Filho que é também o Filho de Deus, isto é, o rei anunciado que, cheio do Espírito Santo, vem suscitar uma Nova Humanidade de uma terra sem guerras e onde já não há lugar para a violência. Eis as palavras do profeta Isaías:
“Botará um rebento do tronco de Jessé e um renovo brotará das suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito de Deus: Espírito de Sabedoria e de entendimento.
Espírito de Conselho e de Fortaleza. Espírito de Ciência e de temor de Deus. Não julgará pelas aparências nem proferirá sentenças apenas pelo que ouviu dizer.
Pelo contrário, julgará os pobres com justiça e com rectidão os humildes da terra. Ferirá os tiranos com os decretos da sua boca e pérfidos com o sopro dos seus lábios.
A justiça será o cinto dos seus rins e a lealdade circundará a sua cintura. Então o lobo habitará com o cordeiro e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito.
O novilho e o leão comer juntos e um menino os conduzirá. A vaca pastará ao lado do urso e as suas crias repousarão juntas (…).
A criancinha brincará na toca da víbora e o menino desmamado meterá a mão na tocada serpente.
Não haverá mais dano nem destruição em todo o meu Santo Monte, pois a terra estará cheia do conhecimento do Senhor” (Is 11, 1-9).
A anunciação do anjo a Maria é uma composição de São Lucas para dizer uma verdade fundamental:
Jesus, como Messias, é fruto do Espírito Santo e não da carne, do sangue ou do impulso humano.
São Lucas põe na boca do anjo da anunciação uma síntese da primeira profecia messiânica da história, isto é, o oráculo do profeta Natã ao rei David, cerca de mil anos antes de Cristo (2 Sam 7, 12-16).
Esta profecia é a matriz de todas as profecias posteriores da História Bíblica. Agora, o Anjo da Anunciação sintetiza a profecia, apresentando-a em forma de proclamação do nascimento do Messias anunciado e esperado ao longo de tantos séculos.
Eis como São Lucas descreve a anunciação do Anjo: “Ao entrar em casa de Maria, o anjo disse-lhe: “Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo”.
Ao ouvir estas palavras, Maria perturbou-se e perguntava-se sobre o significado de tal saudação.
Disse-lhe o anjo:
“Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar á luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David. Reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim”.
Maria disse ao anjo: “Como será isso, se eu não conheço homem?” O anjo respondeu-lhe: “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é santo e será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 28-35).
Toda esta composição bonita e bem elaborada tem como único objectivo afirmar que o Messias é obra do Espírito Santo e não da carne ou do sangue.
Para tornar mais evidente este aspecto, São Lucas sublinha a estranheza de Maria, pondo na sua boca a seguinte questão: “Como será isso se eu não conheço varão?” (Lc 1, 34).
Com este modo de falar São Lucas pretende deixar claro que o protagonista do mistério da Encarnação é o Espírito Santo.
Com o seu jeito maternal de amar ele ia optimizando o amor maternal de Maria, a fim de ela amar o seu Filho com o próprio jeito de Deus amar.
Nesta passagem, Maria aparece como uma mediação especial do Espírito Santo, a fim de se poder realizar o mistério de Jesus Cristo.
Mais tarde, o próprio São Lucas vai dizer que o Espírito Santo consagrou Jesus, a fim de ele realizar a sua missão messiânica dando vista aos cegos, fazendo caminhar os coxos e libertando os prisioneiros (Lc 4, 18-21).
O Livro dos Actos dos Apóstolos diz que Maria só compreendeu de modo perfeito o mistério de Cristo após a ressurreição (cf. Act 1, 14).
É este o sentido profundo do simbolismo do texto das Bodas de Caná no evangelho de São João o qual começa por dizer que três dias depois, Maria tomou parte na festa de umas bodas.
Não é difícil ver aqui uma alusão à experiência pascal de Maria e dos irmãos de Jesus (Jo 2, 1-2).
No evangelho de João Maria é mencionada apenas duas vezes: nas Bodas de Caná (Jo 2, 1-12) e junto à cruz (Jo 19, 25-27).
Maria não é nunca mencionada pelo seu nome. São João chama-lhe sempre a mãe de Jesus.
Mesmo quando os judeus falam dos pais de Jesus, mencionam Jesus pelo seu nome, mas para Maria utilizam a designação de Mãe de Jesus:
“Os judeus puseram-se, então a murmurar contra Jesus pelo facto de ele ter dito: “Eu sou o pão que desceu do Céu” e diziam: “Não é ele Jesus, o filho de José, de quem nós conhecemos o pai e a Mãe?” Como se atreve a dizer agora: “Eu desci do Céu?” (Jo 6, 41-42).
Quando Jesus a fala com Maria, este chama-lhe sempre mulher. Deste modo, São João pretende acentuar que Jesus, enquanto Messias, não é fruto de Maria, mas sim do Espírito Santo.
Eis o testemunho de São João Baptista: “Eu não o conhecia, mas foi para ele se manifestar a
Israel que eu vim baptizar com água.
“Eu vi o Espírito Santo que descer do Céu como uma pomba e permanecer sobre ele. Eu não o conhecia, mas aquele que me enviou a baptizar é que me disse:
“Aquele sobre quem vires descer o Espírito e poisar sobre ele é o que baptiza com o Espírito Santo.
Pois bem: eu vi e dou testemunho de que este é o filho de Deus” (Jo 1, 31-34). Maria foi a grande mediação do Espírito Santo na medida em que modelou o coração e a personalidade de Jesus, a fim de ele realizar a sua entrega.
Mas foi o Espírito Santo quem o capacitou para que essa entrega fosse incondicional. No evangelho de São Mateus, Jesus convida os discípulos a aprenderem dele que é manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).
Este coração de Jesus foi em grande parte modelado pela acção maternal de Maria. De facto, os meninos judeus, no tempo de Jesus, ficavam ao cuidado exclusivo das mães até aos cinco anos de idade.
É o período básico para a estruturação das linhas mestras da personalidade humana! No relato da perda do Menino Jesus no Templo, ao falar do reencontro de Jesus com os seus pais, São Lucas, tal como fez São João no relato das bodas de Caná, utiliza a simbologia dos três dias.
Após uma grande aflição, os pais de Jesus encontram-no três dias depois na casa do Pai. Com esta simbologia, São Lucas quer dizer que Maria só compreendeu de modo pleno o mistério de Cristo após a ressurreição.
Eis as palavras de São Lucas: “Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, pela festa da Páscoa.
Quando Jesus atingiu os doze anos, os pais de Jesus subiram com ele à festa, segundo o seu costume.
Terminados esses dias, regressaram a casa e o menino ficou em Jerusalém, sem que os pais o se apercebessem.
Pensando que ele se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos.
Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém, à sua procura. Três dias depois encontraram-no no templo, sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas (…). Ao vê-lo, os seus pais ficaram assombrados e sua mãe disse-lhe:
“Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!” Ele respondeu-lhes: “Porque me procuráveis?” Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?
Mas eles não compreenderam as palavras que Jesus lhes disse” (Lc 2, 41-49). Nas entrelinhas deste texto de São Lucas há uma alusão sobre a descoberta que Maria fez do seu Filho no momento da sua experiência pascal.
A experiência pascal de Maria e dos irmãos de Jesus é afirmada de modo solene por São Paulo quando descreve em síntese as aparições do Senhor ressuscitado (1 Cor 15, 7).
São Paulo nomeia Tiago em vez de Maria, mas isso deve-se ao facto de Maria ser uma mulher e as mulheres, no mundo judaico daquela época, não poderem servir como testemunha.
Pôr uma mulher a testemunhar a ressurreição de Jesus, seria tirar credibilidade ao facto. É por esta mesma razão que, no evangelho da infância de São Mateus, o anjo só fala com José.
Na verdade, São Mateus escreve o seu evangelho a pensar nos judeus e por isso se afasta de São Lucas na questão das aparições do anjo.
Por outras palavras, como a mulher não era considerada uma testemunha credível no entre os judeus, o anjo da anunciação, em São Mateus, nunca fala com Maria, mas apenas com José (Mt 1, 20; 2, 13).
No evangelho de São Lucas, pelo contrário, o anjo da anunciação só fala com Maria. Eis o relato de São Mateus:
“Andando José a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse:
“José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo.
Ela dará à luz um filho ao qual darás o nome de Jesus, pois ele salvará o povo dos seus pecados.
Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor disse pelo profeta:
“Eis que a virgem conceberá e dará á luz um filho, e há chamá-lo Emanuel, que quer dizer Deus connosco” (Mt 1, 22).
No evangelho da infância de São Mateus o anjo falou várias vezes em sonhos com José: Na fuga para o Egipto (Mt 2, 13-15). No regresso do Egipto para a terra de Judá (Mt 2, 19-21). E por fim a ida para Nazaré (Mt 2, 22-23).
Não restam dúvidas de que a pessoa e a missão de Maria teriam tido um realce muito maior se o contexto cultural da época não pusesse tantas restrições à mulher.
Calmeiro Matias
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