quarta-feira, 14 de abril de 2010

CRISTO E A EMERGÊNCIA DO HOMEM NOVO

I - ASSUMIDOS COM CRISTO EM DEUS

Ao iniciar a marcha da Criação, Deus já tinha em mente o nível espiritual da vida humana, cuja plenitude se encontra em Deus.

Pelo mistério da Encarnação foi-nos dado o poder de nos tornarmos filhos de Deus através de um novo nascimento.

É por esta razão que Jesus disse que temos de nascer de novo pelo Espírito Santo (Jo 3, 6).

Eis o que diz o evangelho de São João: “A todos os que o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.

Estes não nasceram dos laços do sangue, nem dos impulsos da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus.

E o Verbo encarnou e veio habitar entre nós” (Jo 1, 12-14).

Os seres humanos nascem inacabados, a fim de terem a possibilidade de completar a obra criadora de Deus.

Esta era uma condição essencial para a pessoa humana se estruturar como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa.

Emergir como pessoa significa crescer em densidade espiritual e capacidade de amar.

O ser humano nasce hominizado, isto é, com uma estrutura própria de homem, mas não nasce humanizado, pois a humanização é uma tarefa que a pessoa tem de realizar em contexto de relações e comunhão fraterna.

Depois de o barro estar amassado, diz o Livro do Génesis, Deus beijou-o e introduziu nele o hálito da vida, a fim de este iniciar a aventura da humanização (cf. Gn 2, 7).

Através da Encarnação Deus deu ao Homem um outro beijo, do qual derivou a divinização do Homem.

No início da grande epopeia da humanização, Deus Pai deu-nos o primeiro beijo, capacitando-nos para podermos emergir como pessoas mediante relações de amor.

O segundo beijo é-nos dado pelo Filho de Deus no momento da Encarnação, criando as condições para sermos divinizados e assumidos na Comunhão da Santíssima Trindade.

Por outras palavras, através da Encarnação, os seres humanos foram incorporados de modo orgânico na comunidade familiar de Deus.

Eis o que diz o evangelho de São João: “Jesus respondeu a Tomé: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim” (Jo 14, 6).

Graças à união orgânica que existe entre nós e Jesus, nós somos incorporados por ele na Família da Deus.

Jesus disse que a união orgânica que existe entre nós e ele é semelhante à união da cepa da videira com os seus ramos. Nós somos os ramos da videira cuja cepa é Jesus Cristo.

E Jesus acrescenta que nós só podemos ser ramos vivos e fecundos se permanecermos unidos à cepa da qual nos vem a seiva (cf. Jo 15, 4-5).

Segundo o evangelho de São João, falar da seiva da videira que vem da cepa para os ramos ou da Água Viva que vem de Cristo como fonte de Vida Eterna é falar do Espírito Santo (cf. Jo 4, 14; 7, 37-39).

O Espírito Santo é a bebida da Nova Aliança que Jesus e os discípulos beberão no Reino de Deus (Mt 26, 29 cf. Mc 14, 25; Lc 22, 17-18).

Ele é o hálito da vida que Deus comunicou ao barro primordial do qual saiu Adão (Gn 2, 7).

Ele é igualmente o beijo da Encarnação através do qual fomos introduzidos na plenitude dos tempos.

Com a ressurreição de Cristo, o tempo da gestação chegou à plenitude, dando início ao parto do qual vão nascer os novos filhos de Deus, como diz a diz a Carta aos Gálatas:

“Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher (…), a fim de recebermos a adopção de filhos.

E porque somos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito Santo de seu filho que, no nosso íntimo clama: Abba, ó Pai” (Ga 4, 4-6).

O plano salvador de Deus assenta, pois, sobre estes dois beijos de Deus: o beijo dos primórdios e o beijo da plenitude.

A Comunhão Universal para a qual convergem os seres humanos é a festa do Reino de Deus.

Eis as palavras de São Paulo: “Na verdade, todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus.

Vós não recebestes um espírito de escravidão que vos encha de medo.

Pelo contrário, recebestes um Espírito de adopção que faz de vós filhos adoptivos.

É por este Espírito que clamamos “Abba” ó Pai. O próprio Espírito Santo dá testemunho no nosso íntimo de que realmente somos filhos de Deus.

Ora, se somos filhos também somos herdeiros: herdeiros de Deus Pai e co-herdeiros com Cristo” (Rm 8, 14-16).

Graças à presença dinâmica do Espírito Santo em nós, Deus torna-se realmente o Emanuel, isto é, o Deus connosco, como diz o evangelho de São Mateus:

“Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho a quem chamarão Emanuel, isto é, Deus connosco” (Mt 1, 23).

Pelo primeiro beijo, o Espírito Santo Deus vai-nos moldando à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-27).

Pelo segundo, vai-nos incorporando na Família Divina (Jo 1, 12-14).

Pelo primeiro beijo, o Espírito Santo facilita a nossa caminhada no processo da humanização.

O Espírito Santo é o Espírito de Cristo ressuscitado. Assim como ressuscitou Jesus também nos vai ressuscitando com ele.

O sacramento da Eucaristia exprime esta união orgânica com Cristo que faz de nós uma unidade com o Filho Eterno de Deus e, através dele, um com o Pai:

“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele.

Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, do mesmo modo quem me come viverá por mim” (Jo 6, 56-57).

São Paulo diz que o Filho de Deus, ao encarnar, se tornou o primogénito de muitos irmãos (Rm 8, 29).

Depois acrescenta que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5,5).

Na Primeira Carta aos Coríntios, ele diz que o nosso coração é um templo no qual habita o Espírito Santo:

“Não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1 Cor 3, 16).

E ainda: “Nós é que somos o templo do Deus vivo. Eis o que diz o Espírito de Deus:

Habitarei e caminharei no meio deles, serei o seu Deus e eles serão o meu povo” (2 Cor 6, 16).

Diz ainda: “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que recebestes de Deus e que está em vós? “ (1 Cor 6, 19).

A presença do Espírito Santo em nós é uma força santificadora, diz São Paulo:

“Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?

Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá, pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1 Cor 3, 16-17).

Eis como o Livro do Apocalipse descreve a comunhão definitiva do Homem com Deus na plenitude do Reino:

“E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: “Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com os homens e eles serão o seu povo.

Deus estará com eles e será o seu Deus, enxugando todas as lágrimas dos seus olhos, pois já não haverá mais morte nem pranto nem dor”. (Apc 21, 3-4).

II – O CORAÇÃO HUMILDE DO HOMEM NOVO

É bom saborear a arte e as atitudes que modelam o coração do Homem Novo cujo alicerce é Jesus Cristo.

Eis algumas dessas atitudes fundamentais:

O coração do Homem Novo torna-se acolhedor e fraterno.

É tolerante e por isso não está sempre a culpar os outros das suas insatisfações e fracassos.

Sabe aceitar as próprias limitações e procura realizar-se com os talentos que tem.

Por ser humilde, o Homem Novo, é verdadeiro em relação a si e aos outros.

Parte do princípio que uma pessoa, para se realizar, precisa dos outros.

Compreende o mistério da pessoa cuja plenitude não está em si, mas na reciprocidade da comunhão.

A pessoa que não aprende a escutar o irmão e a aceitá-lo como ele é nunca será capaz de moldar um coração de Homem Novo.

As pessoas demasiado enredadas no seu egoísmo apenas conseguem escutar-se a si próprias e, portanto, nunca conseguirão sintonizar e comungar com os outros.

A pessoa humilde reconhece os seus erros e sabe que só o amor é capaz de curar as feridas do pecado.

O Homem Novo não está sempre a julgar os outros. Na verdade, as pessoas que estão sempre a olhar os defeitos dos outros, normalmente estão a projectar os seus defeitos nos irmãos.

Jesus disse que do coração humano tanto podem emergir projectos de amor como decisões e projectos de morte:

“O que sai da boca provém do coração e isso pode tornar o homem impuro.

Do coração procedem as más intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfémias. Tudo isto torna o homem impuro” (Mt 15, 19-20).

Visto sob este prisma, o coração corresponde ao nosso conceito de livre arbítrio, isto é, a capacidade psíquica de optar pelo bem ou pelo mal.

O Homem Novo relaciona-se com os irmãos de modo amável e sereno vivendo já a bem-aventurança prometida por Jesus aos mansos:

“Felizes os mansos porque possuirão a Terra” (Mt 5,5).

Ao declarar os mansos como possuidores da Terra, Jesus queria dizer que os mansos são possuidores de paz e serenidade em todo o lado.

Na verdade, a amabilidade desmonta a violência e a agressividade com que os outros pretendem, por vezes, agredir-nos.

O Homem Novo tem a gentileza de dar a primazia uma atitude que ajuda a moldar um coração atento e fraterno.

Saber reconhecer os momentos oportunos para falar e as melhores ocasiões para escutar é sinal de sabedoria.

É um excelente sinal de amor e humildade saber evitar argumentos inúteis que só servem para exaltar os ânimos.

A capacidade de reconhecer quando o outro tem razão é um excelente sinal de humildade.

O Homem Novo sabe que ao romper com o amor está a romper com Deus, pois Deus é amor.

O Homem Novo faz do amor a Deus o rochedo sólido para edificar a sua casa, sabendo, no
entanto, que o amor a Deus passa sempre pelo amor aos irmãos.

O Homem Novo cultiva a arte facilitar a realização dos outros, sabendo que o importante é aceitá-los por eles serem o que são e não por fazerem o que ele gostaria que fizessem.

Nos seus diálogos, o Homem Novo tenta comunicar sempre numa linha de verdade e autenticidade.

No trato com os irmãos, o Homem Novo não está sempre a olhar só para os seus interesses pessoais, mas é capaz de ajudar os outros com o seu ter e o seu saber.

O Homem Novo reconhece que os outros são um dom um dom de Deus, pois são mediações para se realizar e ser feliz. Na verdade, ninguém é feliz sozinho!

O Homem Novo sabe que sabe que só poderá fazer da Família de Deus com os outros. Na verdade ninguém se salva sozinho.

O Homem Novo tem uma grande capacidade de sintonizar com os outros, pois sabe que não é bom em tudo e por isso presta grande atenção ao que eles dizem e fazem.

O Homem Novo mostra-se agradecido quando se apercebe que os outros estão a ser atentos e respeitadores da sua diferença e originalidade.

As pessoas que tentam controlar e manipular os outros nunca conseguirão ter um coração de Homem Novo, pois estão a impedir que o outro possa emergir como pessoa livre, consciente e responsável.

Amar os outros, apesar dos seus defeitos é amá-los ao jeito de Deus.

O Homem Novo é leal e verdadeiro, por isso se alegra com os sucessos dos outros como se fossem seus.

Por ser humilde, o Homem Novo não alimenta ressentimentos ou planos de vingança.

O homem Novo não é um dominador nem um possessivo, pois sabe edificar sobre a gratuidade.

As pessoas que dão coisas para amarrar os outros nem são felizes nem são capazes de ajudas os outros a emergir como pessoas livres, criativas e felizes.

O Homem Novo entende muito bem as palavras de Jesus que pede aos discípulos para o imitarem, tornando-se mansos e humildes de coração.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias


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